sábado, 20 de agosto de 2011

LER E ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE

 LER QUANDO NÃO SE SABE


Todos os anos chegam à escola pública umas poucas crianças que já sabem ler, mas a maioria ainda vai aprender. E muitas pessoas se perguntam: Como será que algumas crianças se tornam leitoras antes de estudar as lições da cartilha? Será que são mais inteligentes?

Por outro lado, muitos também refletem: Por que algumas crianças levam dois, três, quatro anos, ou até uma vida (no caso dos adultos analfabetos) para aprender a ler? Com certeza, na maioria dos casos não se trata de um distúrbio, pois um dia eles aprendem – sabemos disso. Conversando com os pais, e até mesmo com essas crianças leitoras, descobrimos coisas interessantes. Eles dizem, por exemplo:

• Aqui em casa lemos a Bíblia todos os dias; meu filho sempre pergunta onde está escrito o que escuta a gente ler.

• Gosto de ler histórias para ele e apontar onde estou lendo.

• Acho bom as crianças saberem o que está escrito nas embalagens e, por isso, leio sempre para minha filha, que me enche de perguntas.

• Ganho gibis velhos da minha patroa e dou para a minha filha brincar de ler.

É fascinante ouvir os pais contarem essas histórias e tantas outras, observar o interesse das crianças pela palavra escrita e, mais bonito ainda, ver como esses pais, sem perceber, estão o tempo todo ensinando aos filhos a respeito da leitura. Nessas situações, os adultos são verdadeiros parceiros, são informantes; usam textos reais, tratam os pequenos como leitores, acreditam que é lendo que se aprende a ler – ainda que nem sempre tenham consciência disso. Para eles, compreender e decifrar o texto são coisas que caminham juntas. Poderíamos dizer que essa é uma situação privilegiada: pais que dão a seus filhos informações a respeito da escrita. E o que acontece quando os pais são analfabetos? As crianças não aprendem só com adultos, mas também com outras crianças que já sabem ler. Quantas vezes não ouvimos os pais dizerem: O mais velho estava estudando e ele ficava observando; aprendeu praticamente sozinho. E há também o caso das classes multisseriadas, em que alunos com nível de conhecimento bem diferenciado aprendem muito uns com os outros.

Hoje sabemos que, para adquirir conhecimentos, não basta ouvir. Na verdade, as crianças interpretam o que ouvem, pensam e refletem a partir do que já conhecem. Desde muito pequenas, elas podem e devem conhecer os diferentes materiais de leitura, saber para que servem e tentar descobrir o que está escrito. É por isso que o trabalho com a linguagem escrita é de extrema importância na Educação Infantil. Não se trata de preparar as crianças para a 1ª série, mas sim de oferecer-lhes a leitura e a escrita. As crianças pequenas sempre podem e querem aprender muito. Mas, o que fazer quando não há adultos informantes, nem irmãos que possam ajudar, nem classes multisseriadas? Nesses casos, o papel de ensinar a ler e escrever cabe somente à escola, mais especificamente ao professor.

Ao iniciar o ano, é fundamental fazer uma sondagem, um diagnóstico dos conhecimentos dos alunos. É indispensável entender como eles elaboram hipóteses a respeito da escrita e da leitura, para organizar um trabalho que lhes coloque bons desafios.

Dez questões a considerar

O planejamento de situações de leitura para alunos que estão se alfabetizando deve considerar as seguintes questões:

1. É possível ler, quando ainda não se sabe ler convencionalmente.

2. Ler (diferentes textos, em distintas circunstâncias de comunicação) é um bom problema a ser resolvido.

3. Quando o aluno ainda não sabe decodificar completamente o texto impresso e precisa descobrir o que está escrito, sua tendência é buscar adivinhar o que não consegue decifrar, recorrendo ao contexto no qual os escritos estão inseridos, bem como às letras iniciais, finais ou intermediárias das palavras.

4. Os alunos devem ser tratados como leitores plenos: é preciso evitar colocá-los em posição de decifradores, ou de “sonorizadores” de textos.

5. É fundamental planejar, desde o início do processo de aprendizagem da leitura, atividades que tenham a maior similaridade possível com as práticas sociais de leitura.

6. Deve-se dar oportunidade às crianças de interagir com uma grande variedade de textos impressos, de escritos sociais.

7. Apresentar os textos no contexto em que eles efetivamente aparecem favorece a coordenação necessária, em todo ato de leitura, entre a escrita e o contexto.

8. É preciso propor atividades ao mesmo tempo possíveis e difíceis, que permitam refletir sobre a escrita convencional: atividades em que os alunos ponham em jogo o que sabem, para aprender o que ainda não sabem.

9. É importante não trabalhar com as palavras isoladamente, mas como meio para que o aluno, com sua atenção focalizada em uma unidade pequena do texto, possa refletir sobre as características da escrita.

10. Deve-se favorecer a cooperação entre os alunos, de tal modo que eles possam socializar as informações que já têm, confrontar e pôr à prova suas diferentes estratégias de leitura. Na sala de aula, devemos oferecer aos alunos muitas oportunidades de aprender a ler, adotando procedimentos utilizados pelos bons leitores. É necessário selecionar com cuidado os textos; garantir às crianças a oportunidade de observar como os já leitores utilizam os materiais de leitura; e organizar situações em que elas participem de atos de leitura. É preciso também planejar atividades de leitura que contribuam para a compreensão do sistema de escrita e favoreçam a análise e a reflexão

acerca da correspondência fonográfica própria de nosso sistema de escrita. Esse tipo de atividade exige uma análise quantitativa e qualitativa da correspondência entre os segmentos falados e os escritos. São situações em que o aluno deve ler, embora ainda não saiba ler. Vejamos alguns exemplos (apud Actualización curricular (EGB) Primer Ciclo, Secretaría de Educación, Dirección de Curriculum, Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires, 1995):

1. Garantir um espaço para trabalhar com textos conhecidos pelos alunos, aproveitando situações em que seja significativo ler e reler o que já conhecem de memória. Experimente, por exemplo, ensaiar uma música que todos vão cantar juntos, acompanhando com a leitura no texto impresso – ou um poema, ou uma adivinhação, que se vá gravar em fita cassete. Essas atividades tornam possível acompanhar no texto o que vai sendo dito, e ajudam a pensar na correspondência entre “o que se diz” e “o que está escrito”.

2. Quando se trata de textos desconhecidos, lançar mão de diferentes situações que requerem uma leitura exploratória, destinada a localizar determinadas informações (em vez de propor a leitura exaustiva de tudo que está escrito):

• localizar onde está dito – por exemplo, achar no jornal em qual emissora de tevê e em que horário é transmitido determinado programa de interesse;

• determinar se o texto diz ou não diz algo – por exemplo, ver se no cardápio do dia consta ou não consta determinada comida;

• identificar qual é a correta, entre várias possibilidades antecipáveis: qual das fichas da biblioteca corresponde ao conto de Branca de Neve, qual ao da Gata Borralheira…

3. Criar contextos que permitam aprofundar o trabalho sobre o texto, como, por exemplo:

• ler um trecho e pedir para os alunos formularem suposições sobre seu significado e, depois, confrontarem com os indicadores que o texto oferece;

• propor várias alternativas possíveis de interpretação, para que os alunos decidam qual delas aparece efetivamente no texto.

As crianças podem aprender muito sobre a escrita, tanto dentro quanto fora da escola, mas, para isso, a condição é acreditar que todas podem aprender e valorizar o que já sabem – em vez de enfatizar, o tempo todo, aquilo que ainda não aprenderam. O desafio pedagógico, como sempre, está na articulação entre o difícil e o possível de ser realizado pelos alunos.



ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE



O que geralmente acontece quando as crianças ingressam na escola? Nas séries iniciais, elas são submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, em geral cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro copiam sílabas, depois palavras e frases, e só mais tarde são solicitadas a produzir escritas de forma autônoma.

Isso só acontece na escola. No dia-a-dia, as pessoas aprendem de outro modo: fazendo, errando, tentando de novo, até acertar. A concepção tradicional de alfabetização dá prioridade ao domínio da técnica de escrever, não importando propriamente o conteúdo. É comum as crianças terem de copiar escritos que não fazem para elas o menor sentido: “O boi baba”; “A fada é Fátima”. Os aprendizes não se lançarão ao desafio de escrever se houver a expectativa de que produzam textos escritos de forma totalmente convencional: no início da alfabetização, isso ainda não é possível. Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar corretamente as palavras: quanto mais fizer isso mais aprenderá sobre o funcionamento da escrita. A oportunidade de escrever quando ainda não sabe permite que a criança confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como ela se organiza, o que representa, para que serve.

Na escrita existem dois processos que precisam ocorrer simultaneamente. Um diz respeito à aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional: o sistema de escrita alfabético; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. Para que esses dois processos se desenvolvam de maneira adequada “é fundamental considerar os alunos como escritores plenos, capazes de produzir textos diversos dirigidos a destinatários reais e orientados para cumprir propósitos característicos da escrita – informar, registrar, persuadir, documentar –, evitando colocá-los na posição de meros copiadores de escritos irrelevantes, em situações em que a cópia não responde a nenhum propósito identificável” (Actualización curricular).

O ato de escrever implica o controle de dois aspectos fundamentais: o que escrever e como escrever – e isso não é simples, principalmente quando se está aprendendo. Esse é um momento em que os alunos precisam pensar em como escrever, em como se organiza o sistema alfabético de notação.

Muitas atividades podem ser propostas para as crianças explicitarem suas hipóteses, compararem com as hipóteses de seus colegas e com a escrita convencional, em vez de reduzir o ensino à codificação de sons em letras, ou à reprodução de frases ou palavras soltas.

O trabalho em parceria é um grande aliado: pode-se agrupar os alunos e propor que escrevam listas, trechos de histórias, títulos de livros, textos poéticos que conhecem de memória (músicas, parlendas, quadrinhas, adivinhações ou trava-línguas).

Quando estão trabalhando coletivamente, é importante definir com clareza os papéis, para que todos participem: um aluno pode, por exemplo, ditar enquanto o outro escreve, ou um ditar, outro escrever e outro revisar. Esses papéis precisam se alternar, para que sempre haja novos desafios para todos.

Escrita de nomes

Em Psicopedagogia da linguagem escrita, Ana Teberosky propõe: Escrever o próprio nome parece uma peça-chave para começar a compreender a maneira pela qual funciona o sistema de escrita. Por esse motivo, propomos uma possível iniciação do ensino da leitura e sua interpretação a partir do próprio nome da criança, pelas seguintes razões:

1. Tanto do ponto de vista lingüístico como gráfico, o nome próprio de cada criança é um modelo estável.

2. Nome próprio é um nome que se refere a um único “objeto”; com o que se elimina, para a criança, a ambigüidade na interpretação.

3. Nome próprio tem valor de verdade, porque se refere a uma existência, a um saber compartilhado pelo emissor e pelo receptor.

4. Do ponto de vista da função, fica claro que marcar, identificar objetos ou indivíduos faz parte dos intercâmbios sociais da nossa cultura.

5. Do ponto de vista da estrutura daquilo que está escrito, a pauta lingüística e o referente coincidem, e essa coincidência facilita a passagem de um símbolo qualquer para um objeto qualquer em direção à atribuição de um símbolo determinado para indivíduos que não são membros indeterminados de uma classe, mas seres singulares e concretos.

A escrita de nomes próprios é uma boa situação para trabalhar com modelos, uma vez que informa sobre as letras, a quantidade, a variedade, a posição e a ordem delas, além de servir de ponto de referência para confrontar as idéias das crianças com a realidade da escrita convencional.

Aprender a escrever determinadas palavras de seu universo pode servir de referência para o aluno produzir depois seus textos escritos. Por exemplo: a lista de frutas preferidas pela turma, dos objetos escolares e outras. Isso amplia seu repertório de palavras estáveis – ou seja, palavras que consegue reconhecer mesmo sem saber ainda ler convencionalmente.

Atividades de escrita

• nomes dos colegas, para identificar atividades realizadas;

• nomes dos colegas em uma agenda de telefones e endereços;

• lista dos títulos das histórias preferidas pela classe;

• lista de nomes dos personagens de determinada história;

• lista dos ingredientes de uma receita;

• títulos dos livros na ficha de controle da biblioteca de classe;

• lista de nomes dos personagens do programa preferido pela criança.

Escrita de textos estáveis

Parlendas, músicas, adivinhações e poemas conhecidos são textos privilegiados para o trabalho de escrita. Como são de fácil memorização, permitem que os alunos se concentrem em questões de notação e focalizem sua atenção na escrita das palavras: definir quais e quantas letras usar, como combiná-las e como organizá-las no espaço do papel. O professor pode propor, por exemplo:

• letras das músicas preferidas da classe, para ensiná-las a um grupo de crianças menores;

• adivinhações, para produzir um livro;

• poemas, para organizar uma coletânea, ou para colocá-los no mural da escola.

O alfabeto

Conhecer todas as letras do alfabeto e seus respectivos nomes é fundamental para a alfabetização. Não é possível falar sobre algo cujo nome se desconhece – se a criança precisar saber com que letras se escreve uma determinada palavra, terá que entender quando lhe responderem: “é com jota”, ou “é com xis”, ou “é com erre”.

O professor deve ter na sala um cartaz com o alfabeto, para se remeter a ele sempre que necessário. E cada aluno pode ter o seu, colado no próprio caderno.

E a correção, como deve ser feita?

Conforme afirma Frank Smith, “corrigir erros imediatamente após a escrita é a melhor forma de tornar as crianças ansiosas e hesitantes […]”.

Os textos produzidos pelos alunos no início da escolaridade estão longe de respeitar todas as convenções do português escrito. O professor deve ter claro que os erros cometidos nesse período inicial não se fixam, pois representam hipóteses do aprendiz, na tentativa de compreender a escrita.

Uma correção enfática dos erros em nada contribui para incentivar os alunos a escrever sempre mais. No entanto, o professor também não pode deixar de fazer intervenções pedagógicas que os ajudem a escrever cada vez melhor, em todos os aspectos. O grande desafio, nesse caso, é saber exatamente quando e como fazer uma correção adequada. Ao corrigir a escrita, é necessário levar em conta a possibilidade de o aluno compreender seus próprios erros, o contexto de comunicação que dá sentido aos textos escritos e seus destinatários. A pesquisadora Délia Lerner indica algumas situações em que a revisão se modifica, dependendo da situação:

• Em um escrito particular – o diário do aluno, uma agenda onde anota aquilo que não quer esquecer, a lista dos ingredientes de uma receita, um caderno onde escreve anedotas para contar a seus colegas, ou charadas e adivinhas para testar seus familiares – é suficiente que o autor corrija aquilo que estiver em condições de corrigir.

• Em um escrito que será lido por todos os integrantes do grupo – o mural da classe, ou o regulamento da biblioteca, por exemplo – os colegas devem colaborar entre si e o professor deve levantar os problemas que considerar pertinentes, de modo a corrigir tudo que o grupo estiver em condição de corrigir no momento (depois de exposto, o texto ainda estará sujeito a revisões e correções, em diferentes oportunidades).

• Em um texto dirigido a outras pessoas da escola, ou aos pais, a correção em grupo ou coletiva deve ser feita com especial cuidado, utilizando o tempo necessário para que o grupo explore ao máximo suas possibilidades – somente devem ficar sem corrigir as questões que estiverem relacionadas com problemas além do alcance da compreensão das crianças naquele momento (nesse caso, é importante explicitar aos pais por que esses aspectos não foram corrigidos).     ( BLOG FISA)

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